A Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Organização Marítima Internacional (IMO), lançou uma estratégia global em 2023 com o objetivo de zerar as emissões de gases do efeito estufa pelo transporte marítimo mundial até 2050. Segundo especialistas ouvidos em audiência pública na Comissão de Serviços de Infraestutura (CI) nesta terça-feira (15), o plano é um desafio para todos os países e o Brasil precisa estar atento para acompanhar os acordos internacionais e as mudanças previstas para os próximos anos, pois impactarão principalmente o transporte de cargas.
Flavio Haruo Mathuiy é assessor da comissão do governo brasileiro para assuntos ligados à IMO. Em sua avaliação, o Brasil precisa de um plano nacional para fazer a transição energética para descarbonização do transporte marítimo. Ele explicou que a IMO é uma agência especializada da ONU, com 176 países-membros e três associados, com participação de diversas organizações não governamentais e intergovernamentais.
O objetivo da organização é regular o setor, promovendo segurança e proteção do transporte marítimo internacional e diminuir a poluição causada por navios. A comissão brasileira junto à IMO é composta por quatorze órgãos de diversos ministérios e é coordenada pela Marinha.
— Em 2023, foi aprovada a nova estratégia, a estratégia revista da IMO para a redução das emissões. Essa meta final foi tornada muito mais exigente. Em 2050, seria justamente que o transporte marítimo teria que atingir as emissões absolutas líquidas zero. E, para isso, teria que cumprir uma curva com pontos de verificação em 2030 e 2040, com uma redução de 2030 a 2040 de 20% a 30%; e, em 2040, de 70% a 80%. É uma redução bastante significativa nas emissões absolutas dos navios — resumiu o assessor.
A coordenadora-geral de Navegação Marítima do Ministério de Portos e Aeroportos, Bruna Roncel de Oliveira, também apontou a necessidade de o Brasil ter uma coordenação nacional de todas as iniciativas de transição energética.
— A gente tem participado de diversos fóruns, aqui no Brasil, nessa agenda de mitigação das emissões de carbono, agenda de compromissos ambientais, mas a gente tem observado que são diversas iniciativas esparsas e ainda a gente não tem reunida, integrada, uma única proposta de política, uma política nacional de transição energética ou de descarbonização para o transporte marítimo, que a gente entende que seria uma política de transporte, uma política de transporte zero emissões, uma política de transporte para a transição energética para o setor marítimo — defendeu a coordenadora.
Mathuiy ressaltou que as resoluções e as normas estabelecidas pela IMO são obrigatórias para todos os países que operam na navegação internacional, como o Brasil. Ou seja, para que um navio saia do Brasil com produtos para vender à China, à Europa ou aos Estados Unidos, por exemplo, essa embarcação tem que cumprir todas as normas da IMO. A partir de agora, novas normas serão criadas para incentivar a descarbonização do setor, como em relação aos combustíveis usados pelos navios.
Ele informou que, nas transações comerciais mundiais, 80% da carga é transportada pelo mar (95% no caso das exportações brasileiras), mas o impacto poluidor não é tão grande: apenas 3% das emissões planetárias têm origem no transporte marítimo.
— Isto é o que está no planejamento da IMO: que as decisões sejam tomadas até abril do ano que vem, o desenho das medidas. E que medidas serão essas? Serão medidas técnicas e econômicas, com o intuito de mudar, de forçar ou incentivar a transição energética e desincentivar o uso de combustíveis fósseis — disse Mathuiy.
Ele explicou que, atualmente, praticamente todo o transporte marítimo mundial usa o combustível chamado de "bunker marítimo", um óleo combustível de navios barato (cerca de US$ 400 ou R$ 2261 a tonelada) e que pode ser comprado em qualquer porto do planeta. O objetivo da ONU será alcançado, na avaliação de Mathuiy, com aumento do uso de novos combustíveis menos poluentes e diminuição dos combustíveis fósseis. Para isso, deverão surgir nova taxação de combustíveis mais poluentes, como o bunker, e mecanismos de compensação para incentivar e premiar quem conseguir poluir menos.
Na avaliação de Mathuiy, o Brasil será um dos países mais impactados, pois usa muito a navegação marítima para exportar para outros países, e os principais compradores de produtos brasileiros estão a longas distâncias. Ele exemplifica: um navio com minério brasileiro demora pelo menos 30 dias para chegar à China, ou seja, emite muitos poluentes. Se a IMO decidir por sobretaxar essa emissão, o preço do minério ficaria mais caro, diminuindo a competitividade do Brasil no comércio internacional.
O assessor sugere que o Brasil tem potencial para ser protagonista nessa transição energética, pois tem matriz energética limpa e renovável e pode incentivar ainda mais os biocombustíveis, a captura de carbono, o hidrogênio de baixa emissão, as energias solar e eólica, biodiesel, etanol e outros.
— Nós temos uma grande potencialidade não só de produzir para atender os nossos navios, para minimizar o impacto econômico numa possível rota longa dessa que possa ser taxada, como também para exportar. Isso envolve a produção, distribuição e armazenamento, e, da mesma forma, a cadeia de suprimento tem que se preparar para isso. Os nossos portos têm que ter a capacidade de fornecer esses combustíveis. (...) a gente está tentando, na nossa briga, nas nossas discussões na IMO, fazer com que os biocombustíveis de primeira geração sejam considerados como combustíveis aceitos e certificados pela IMO — avalia Mathuiy .
Para se adaptar aos novos tempos, o Brasil terá também que investir na modernização dos portos, adaptação de motores de navios e ampliação de estradas de ferro para que a produção chegue aos portos de forma menos poluente, por exemplo, ou seja, melhorar e aperfeiçoar infraestrutura e cadeia logística. Para isso, alertou Mathuiy, serão necessários pesados investimentos e financiamentos públicos e privados, sendo o BNDES um ator destacado.
— Nos países desenvolvidos, a organização marítima tem estabelecido um cronograma e medidas bastante impositivas para o transporte marítimo, para forçar essa transição, porque, a partir do momento em que eu tiver a transição energética no transporte marítimo, naturalmente eu vou ter toda a infraestrutura em terra para a produção desses novos combustíveis, eu vou ter recurso suficiente para desenvolver e investir em tecnologia e mudar o padrão tecnológico dos motores também — avaliou.
A chefe do departamento de Gás, Petróleo, Navegação e Descarbonização do BNDES, Elisa Salomão Lage, explicou que o banco acompanha a questão, participa de diversas iniciativas públicas de redução de emissões e já é tradicionalmente agente financeiro do Fundo da Marinha Mercante, respondendo por 75% dos recursos para financiamento de projetos, como a construção, modernização, conversão e reparo de embarcações e da infraestrutura portuária.
De acordo com ela, o BNDES é um dos maiores financiadores de projetos de infraestrutura e de energia do Brasil, com destaque para energias renováveis, como hidrelétrica, solar e eólica e biocombustíveis, como o etanol.
— Nós estruturamos, no ano passado, uma ação de incentivo à descarbonização da frota naval brasileira, utilizando o Fundo da Marinha Mercante, em que a gente oferece uma redução na taxa de juros nos financiamentos de embarcações que entreguem uma redução de pelo menos 30% das emissões de gases de efeito estufa em relação à nossa frota atual. Essa ação já foi estruturada considerando as metas de redução estabelecidas pela IMO — registrou Lage.
Para Mahuiy, o Brasil pode participar dessa transição energética com um plano nacional integrado, que reúna todas as iniciativas ministeriais já em andamento, como os planos de transição energética desenvolvidos por ministérios, como o de Minas e Energia (MME), o de Desenvolvimento (Mdic), o do Meio Ambiente (MMA) e o de Portos, entre outros.
— É importante que haja um plano, porque não adianta nada o navio ser extremamente eficiente, carregar um combustível extremamente eficiente, e ficar 15 dias parado na frente do Porto de Paranaguá para abastecer. Quando ele está parado, ele está fundeado, ele está emitindo. Então, perdeu-se toda a eficiência dele, perdeu-se todo o investimento que ele teve. É importante que o porto esteja integrado, que a rodovia, o sistema, a cadeia logística esteja integrada, de forma a otimizar e diminuir o máximo de tempo de carga e descarga dos portos. Precisamos de uma visão sistêmica e sinérgica, com foco em soluções integradas, adequação da infraestrutura, da questão dos combustíveis, dos corredores logísticos, otimização dos portos, a renovação dos meios navais — acrescentou.
Bruna Roncel de Oliveira citou também a importância de incentivos fiscais e financeiros para incentivar a sustentabilidade e a redução de emissões. Ela diz que o Ministério da Fazenda tem agenda neste sentido e que há necessidade de que o transporte marítimo brasileiro tenha acesso a benefícios e incentivos tributários para combustíveis e biocombustíveis, por exemplo, e para a construção naval também. Para ela, a integração de todas as iniciativas de transição energética é o melhor caminho para o Brasil.
— A gente está trabalhando nisso, a criação de uma comissão interministerial que vai ser coordenada pelo Ministério de Portos e Aeroportos, com a participação do Ministério da Defesa, com participação do MME, participação do Mdic, participação de outros atores, para a gente consolidar todas essas iniciativas, reunir todas essas iniciativas para lá na frente propor uma política de transporte de zero emissão, política de transporte de redução e de descarbonização do transporte marítimo, do setor marítimo.
Ela também informou que o Ministério de Portos tem iniciativas que deverão ser divulgadas em breve para incentivar embarcações sustentáveis, novos combustíveis e adaptação da infraestrutura portuária.
O debate sobre a urgente descarbonização do transporte marítimo internacional foi promovida pela Comissão de Serviços de Infraestrutura a pedido dos senadores Esperidião Amin (PP-SC), Sérgio Petecão (PSD-AC), Zequinha Marinho (Podemos-PA) e Beto Martins (PL-SC). A CI é presidida pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO).
A audiência pública foi conduzida por Esperidião Amin, que prometeu promover um novo debate sobre o tema em 2025, quando as normas da IMO já tiverem sido definidas.
— Sobre o que foi relatado aqui, da situação atual, não há dúvidas, o Brasil está acompanhando. Sabemos que temos que fazer um esforço muito grande para não sermos penalizados e, ao mesmo tempo, aproveitarmos a oportunidade. (...) temos diante de nós, pelo histórico de um país pioneiro no biocombustível e atento o seu Parlamento, o seu governo e o seu Judiciário também, nos Poderes constituídos e na força produtiva, no consumidor, no trabalhador, estamos de olho nessa questão de sustentabilidade e preocupação com as mudanças climáticas — afirmou Amin.
Também participaram do debate Mauro Sammarco, do Instituto Brasileiro de Infraestrutura; Jesualdo Silva, da Associação Brasileira dos Terminais Portuários; José Nilton de Souza Vieira, da Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME; e José Ricardo Ramos Sales, da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Mdic.
Mín. 14° Máx. 20°
Mín. 16° Máx. 24°
ChuvaMín. 18° Máx. 24°
Chuva